domingo, 1 de agosto de 2010

Poesias

MANUEL BANDEIRA





Seu nome completo: Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, nasceu em Recife, dia 19 de abril de 1886 e morreu aos 82 anos de idade, no Rio de Janeiro, dia 13 de outubro de 1968. Foi um grande poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. Escreveu alguns poemas que também encantam as crianças.





COTOVIA



- Alô, cotovia!

Aonde voaste,

Por onde andaste,

Que saudades me deixaste?

- Andei onde deu o vento.

Onde foi meu pensamento

Em sítios, que nunca viste,

De um país que não existe . . .

Voltei, te trouxe a alegria.

- Muito contas, cotovia!

E que outras terras distantes

Visitaste? Dize ao triste.

- Líbia ardente, Cítia fria,

Europa, França, Bahia . . .



- E esqueceste Pernambuco,

Distraída?



- Voei ao Recife, no Cais

Pousei na Rua da Aurora.



- Aurora da minha vida

Que os anos não trazem mais!



- Os anos não, nem os dias,

Que isso cabe às cotovias.

Meu bico é bem pequenino

Para o bem que é deste mundo:

Se enche com uma gota de água.

Mas sei torcer o destino,

Sei no espaço de um segundo

Limpar o pesar mais fundo.

Voei ao Recife, e dos longes

Das distâncias, aonde alcança

Só a asa da cotovia,

- Do mais remoto e perempto

Dos teus dias de criança

Te trouxe a extinta esperança,

Trouxe a perdida alegria.



A ONDA

A onda

a onda anda

aonde anda

a onda?

a onda ainda

ainda onda

ainda anda

aonde?

aonde?

a onda a onda





BELO BELO



Belo belo minha bela

Tenho tudo que não quero

Não tenho nada que quero

Não quero óculos nem tosse

Nem obrigação de voto

Quero quero

Quero a solidão dos píncaros

A água da fonte escondida

A rosa que floresceu

Sobre a escarpa inacessível

A luz da primeira estrela

Piscando no lusco-fusco

Quero quero

Quero dar a volta ao mundo

Só num navio de vela

Quero rever Pernambuco

Quero ver Bagdá e Cusco

Quero quero

Quero o moreno de Estela

Quero a brancura de Elisa

Quero a saliva de Bela

Quero as sardas de Adalgisa

Quero quero tanta coisa

Belo belo

Mas basta de lero-lero

Vida noves fora zero.





ORAÇÃO PARA AVIADORES



Santa Clara, clareai

Estes ares.

Dai-nos ventos regulares,

de feição.

Estes mares, estes ares

Clareai.

Santa Clara, dai-nos sol.

Se baixar a cerração,

Alumiai

Meus olhos na cerração.

Estes montes e horizontes

Clareai.

Santa Clara, no mau tempo

Sustentai

Nossas asas.

A salvo de árvores, casas,

E penedos, nossas asas

Governai.

Santa Clara, clareai.

Afastai

Todo risco.

Por amor de S. Francisco,

Vosso mestre, nosso pai,

Santa Clara, todo risco

Dissipai.

Santa Clara, clareai.





A ESTRELA



Vi uma estrela tão alta,

Vi uma estrela tão fria!

Vi uma estrela luzindo

Na minha vida vazia.



Era uma estrela tão alta!

Era uma estrela tão fria!

Era uma estrela sozinha

Luzindo no fim do dia.



Por que da sua distância

Para a minha companhia

Não baixava aquela estrela?

Por que tão alto luzia?



E ouvi-a na sombra funda

Responder que assim fazia

Para dar uma esperança

Mais triste ao fim do meu dia.







D. JANAÍNA



D. Janaína

Sereia do mar
D. Janaína

De maiô encarnado

D. Janaína

Vai se banhar.



D. Janaína

Princesa do mar

D. Janaína

Tem muitos amores

É o rei do Congo

É o rei de Aloanda

É o sultão-dos-matos

É S. Salavá!



Saravá saravá

D. Janaína

Rainha do mar.



D. Janaína

Princesa do mar

Dai-me licença

Pra eu também brincar

No vosso reinado.



BALÕEZINHOS

Na feira do arrabaldezinho

Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:

- "O melhor divertimento para as crianças!"

Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,

Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.

No entanto a feira burburinha.

Vão chegando as burguesinhas pobres,

E as criadas das burguesinhas ricas,

E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.

Nas bancas de peixe,

Nas barraquinhas de cereais,

Junto às cestas de hortaliças

O tostão é regateado com acrimônia.

Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras,

Os tomatinhos vermelhos,

Nem as frutas,

Nem nada.

Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a

[única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.

O vendedor infatigável apregoa:

- "O melhor divertimento para as crianças!"

E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um

[círculo inamovível de desejo e espanto. .







TREM DE FERRO





Café com pão

Café com pão

Café com pão



Virgem Maria que foi isto maquinista?



Agora sim

Café com pão

Agora sim

Café com pão



Voa, fumaça

Corre, cerca

Ai seu foguista

Bota fogo

Na fornalha

Que eu preciso

Muita força

Muita força

Muita força



Oô..

Foge, bicho

Foge, povo

Passa ponte

Passa poste

Passa pato

Passa boi

Passa boiada

Passa galho

De ingazeira

Debruçada

Que vontade

De cantar!



Oô...

Quando me prendero

No canaviá

Cada pé de cana

Era um oficia

Ôo...

Menina bonita

Do vestido verde

Me dá tua boca

Pra matá minha sede

Ôo...

Vou mimbora voou mimbora

Não gosto daqui

Nasci no sertão

Sou de Ouricuri

Ôo...



Vou depressa

Vou correndo





Vou na toda

Que só levo

Pouca gente

Pouca gente

Pouca gente...























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